Escrever Por Timidez

Pensava que escrevia por timidez, por não saber falar, pelas
dificuldades de encarar a verdade enquanto ardia, arvorava, arfava. Há
muitos que ainda acreditam que começaram a escrever pela covardia de
abrir a boca. Nas cartas de amor, por exemplo, eu me declarava para quem
gostava pelo papel, e não pela pele, ainda que o caderno seja pele de
um figo. O figo, assim como a literatura, é descascado com as unhas,
dispensando facas e canivetes. Não sei descascar laranjas e olhos com as
unhas, e sim com os dentes. Com as mãos, sei descascar a boca do figo e
o figo da boca, mais nada. Acreditei mesmo que escrever era uma fuga,
pedra ignorada, silêncio espalhado, um subterfúgio, que não estava
assumindo uma atitude e buscava me esconder, me retrair, me diminuir.
Mas não. Escrever é queimar o papel de qualquer forma. Desde o
princípio, foi a maior coragem, nunca uma desistência, nunca um recuo, e
sim avanço e aceitação. Deixar de falar de si para falar como se fosse o
outro. Deixar a solidão da voz para fazer letra acompanhada, emendada,
uma dependendo da próxima garfada para alongar a respiração. Baixa-se o
rosto para levantar o verbo. É necessário mais coragem para escrever do
que falar, porque a escrita não depende só de ti. Nasce no momento em
que será lida.
Sempre fui muito tímido e sempre gostei disso - Desculpem eu ser eu. Quero ficar só! grita a alma do tímido que só se
liberta na solidão. Contraditoriamente quer o quente aconchego das
pessoas. - já dizia Clarice Lispector. Minha timidez, inesgotável origem de tantas infelicidades na vida prática, é
a causa direta, mesmo única, de toda a minha riqueza interior.
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